quinta-feira, 22 de abril de 2010

A arte faz parte do ser humano desde a mais tenra infância

Coluna de Ricardo Silvestrin publicada hoje no jornal Zero Hora
Uma grande pergunta
Estava conversando com uma turma de alunos de primeira série. Hoje, primeira série é formada por crianças de cinco e seis anos. Tinham trabalho com alguns poemas meus do livro Pequenas Observações sobre a Vida em Outros Planetas.
Convidei-os a encontrar comigo a palavra sim escondida dentro de outras palavras no poema Planeta Sim. Disse o poema: “No Planeta Sim, tudo é sempre assim:”. Logo disseram sim dentro do assim. Segui: “- Pai, posso não sei quê?/A resposta é simples: sim.”. Disseram as crianças: sim dentro do simples, no começo da palavra. Continuei: “- Mãe, eu quero isso e aquilo:/sim, sim, sim.”. Falei que agora viria o sim disfarçado, passando por dentro de outras palavras: “É um sim sem fim.”. Mostrei que, no sem, o sim colocou um e na frente do i e passou disfarçado. E, no fim, o sim botou um f na frente do s e passou escondido. Agora disse que o sim viria de costas, com o contrário dele: “Tem outra resposta/no Planeta Sim?/Não.” O não, o outro lado do sim.
Falei isso tudo para mostrar a eles a sonoridade das palavras. A escola e a cultura parecem ouvir e nomear só a rima. Só fim da palavra. Como se as palavras tivessem som apenas no final. Também estava mostrando a relação entre som e significado. O poema do Planeta Sim era todo criado com a palavra sim e seu som. Isso depois de responder a várias perguntas de como se faz um poema, de onde se tira as ideias. Mostrei que todo poema nasce, antes de mais nada, da criatividade com as três partes da palavra, o significado, o som e o desenho. Mas, sobretudo, pelas surpresas com o sentido, com as ideias.
Chegou um momento em que as perguntas eram quase sempre a mesma: como é que uma pessoa faz isso? Eu disse que não sabia como nem por quê. Apenas fazia e gostava. Até que uma das perguntas foi de uma profundidade que me fez comprovar mais uma vez que a arte é algo do ser humano. Seja ele de que idade for. Não se vive sem uma forma de arte porque é algo que nos constitui como indivíduos. Não é apenas um lazer ou um prazer, mas uma questão pela qual temos o maior interesse.
A pergunta do piá de cinco ou seis anos foi se eu descubro essas coisas ou as invento. Repare na sutileza entre descobrir e inventar. Depois de acordar do transe, da surpresa, respondi que faço as duas coisas. Por exemplo, achar a palavra sim dentro de outras palavras é uma descoberta. Estava ali para ser descoberto. Já criar poemas como o Planeta Poft, em que começo assim: “Em Poft, o pum é perfumado.”. Isso é invenção. Nunca fui a esse planeta. Eu o inventei.
O colégio dessa vez era o Anchieta. Mas questões assim têm aparecido em todas as escolas por onde ando. Falamos de poesia. Conversamos sobre estética, sobre arte. Porque existe também uma inteligência artística, para formular de uma maneira que está na moda.

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