terça-feira, 10 de março de 2009

Quem garantirá meus caraminguados?

A mocinha à minha frente, de aparência, gestos e tom de voz impecavelmente estudados, discorria numa convicção espantosa sobre o fantástico universo das aplicações financeiras – e eu só pensava nos trilhões de dólares e euros flutuando no incógnito âmbito econômico para socorrer bancos e seus ativos tóxicos. A jovem sequer tinha nascido quando eu ganhei minha formiga/cofre da Fin-Hab e passei a catar toda moedinha dos trocos da família para enchê-lo e abrir a minha primeira caderneta de poupança. Hoje os bancos desprezam qualquer um que chegue na boca do caixa com um saco de moedas, quando não mandam o cidadão simplesmente embora com o pesado fardo do seu trabalho – sim, existem vários tipos de comércio sustentado por moedas. Já os cofrinhos devem ser, no mínimo, excomungados. O que é bem vindo nas instituições guardiãs da moeda é recurso de quem puder provar que não precisa do dinheiro investido: capitalzinho bom pra alavancagem, fundos de hedge, swap cambial e outros palavrões do jargão financeiro.
Mas naquele tempo em que se economizava as moedas (se não me engano, lá pelo início do período Holoceno), os bancos eram lugares acima de qualquer suspeita, onde os nossos pais guardavam o dinheiro e dormiam tranquilos por não precisarem depositá-lo embaixo dos seus colchões. E era o banco também que recebia os pagamentos de tudo o que se tinha dentro de casa. Na minha família havia uma rotina do dia 10 de cada mês: data sagrada de ir ao banco pagar os carnês. A tarefa cabia a minha mãe e a mim como escudeira, afinal uma jovem e bela senhora no centro de Porto Alegre estaria mais resguardada se carregasse pela mão sua filhinha. Não tenho noção de quantos bancos frequentei na Rua da Praia e imediações, mas lembro bem das filas – essas foram preservadas. Um programa de índio, com toda certeza, mas havia uma recompensa dourada para as tardes de maratona bancária: o lanche nas Americanas ou na Confeitaria Princesa. Era o máximo do "chiquê" sentar numa lancheria para comer no meio da tarde, algo que só acontecia uma vez a cada 30 dias, obviamente. Vivo 100 anos e não esqueço da banana split ou do cachorrinho-quente com guaraná.
Como se pode ver, minhas lembranças bancárias eram bastante lúdicas; até setembro de 2008, quando começou essa crise hedionda. A jovem do meu banco, judiação, acabou levando a culpa tão-só pelo seu emprego, que, aliás, ela faz muito bem ao defender com toda aquela lábia. Mas precisei sair do banco e voltar noutro dia para não perder a compostura, pois minha vontade era dizer a ela que se um marciano nos escutasse, teria a convicção que uma era o supra-sumo da inteligência (ela) e a outra uma pobre boboca (eu). Elementar, afinal porque uma pessoa levaria seu rico dinheirinho, com o qual pode comprar o que necessita e gosta, para entregar à uma desconhecida guardar sabe-se lá em qual estratosfera financeira, assim sem mais nem menos? Eu precisaria de uma vida inteira para explicar ao marciano o por que fazemos isso e chegando aos últimos acontecimentos ele ainda me perguntaria: “E quem garantirá o futuro dos seus caraminguados aí num desses maravilhosos investimentos que a mocinha esperta oferece?”.