sábado, 27 de fevereiro de 2010

Duas fêmeas na montanha

Estendida de bruços sobre a toalha felpuda, Carol sentiu a pressão da pedra nos seios macios e nas coxas doloridas. Absorveu a sensação agradável do chão aquecido no corpo esguio. Balançou com gosto a bunda pra lá e pra cá, pra cá e pra lá, experimentando os ossos da pélvis que lhe protegiam o sexo.
Os raios de sol abrasavam da nuca aos pés. Ajeitou o cabelo longo dentro do chapéu de palha e alternou mais uma vez a face apoiada sobre as mãos. Ora admirava o horizonte cravado de pinheiros, ora se divertia com os tico-ticos se banhando na fonte do jardim. Fechou os olhos e se entregou à carícia do vento que amenizava a inclemência do sol das montanhas. Suspirou de satisfação e buscou na dor nos quadris as emoções da noite anterior, uma dor gostosa, como a que sentia depois de cavalgar o tobiano, saudosa, no primeiro dia das férias na fazenda – a vulva pulsou com a lembrança dos movimentos que forçaram seus músculos.
Reviveu a ducha na madrugada; a felicidade de se admirar nua no espelho do banheiro com o homem de ombros largos colado nas suas costas, lhe acarinhando os mamilos intumescidos; as mãos dele descendo pela sua cintura fina, os dedos compridos como os de um pianista indo brincar com os seus pêlos pubianos; a água no cabelo escorrendo até o início das nádegas, onde ele lambeu as gotas fugidias, e subiu lhe mordiscando pelas ondulações das costas até a orelha direita, que abrigou a língua nervosa; os olhares se invadindo dentro do espelho; o rastro molhado no chão do quarto; ele a deitando novamente na cama e abrindo suas pernas, a penetrando com urgência e a girando por cima do seu corpo; e de como se embalou e se aproximou e se afastou, presa a ele na união sagrada de um homem e uma mulher; até quando gemeram, exauridos na batalha de carícias.
Entregou-se ali no jardim ao prazer da noite de orgasmos há tanto adormecidos. Enlevou-se com a sensação de quase poder revivê-los em contato com o chão quente. Longos minutos, de arrepios múltiplos, até abrir os olhos e avistar, cerca de meio metro a seu lado, o inseto.
Ele media em torno de um centímetro, tão verdinho quanto as folhas em brotação. Peregrinava na direção do seu rosto, vagaroso e absorto como um turista desavisado no calçadão de Copacabana. Veio se aproximando e, de repente, se deteve. Alisou o ínfimo fuço com a patinha dianteira esquerda, repetidas vezes, depois usou a direita e, na seqüência, empreendeu um balé contorcionista com as patinhas traseiras deslizando pelas asas. Então se pôs novamente em movimento, até quase a ponto de subir no cotovelo de Carol. Parou com a vista de algo disforme que se erguera à frente – a cabeça dela no chapéu de abas largas. Os olhinhos pareciam dois pontinhos marcados com Bic escrita fina. As antenas, que vinham oscilantes como os últimos fios de cabelo numa careca, empinaram-se a 90o – ele estava agora totalmente alerta. Ficou assim, imóvel, durinho, a mirar o obstáculo de 169 centímetros no seu trajeto. Carol também permaneceu tesa, muito quieta, com a cabeça firme sem mexer um milímetro, torcendo que o inseto não voasse. Queria desfrutar mais um instante de olhos nos olhos com ele. Ou seria com ela?
Sorriu, divertida com seus pensamentos: gostaria que o inseto fosse do sexo feminino e tivesse tido uma noite tão divina como a sua. Seriam, então, duas fêmeas no auge da sexualidade a gozar o sol poderoso das montanhas.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

BIJOUTERIAS



Colar de contas coloridas
e colar de contas de madeira e cristal

Rio de Janeiro - 1966

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fruto proibido

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, para muita gente, a banana é a fruta proibida do Paraíso. Fui atrás, claro, curiosa em desvendar a origem dessa história e encontrei informação de que também a uva tem seus defensores – ou seriam acusadores? Os argumentos em torno das duas frutas são convincentes e bem mundanos, digamos assim, e me intrigou a maçã se manter no tradicional posto até hoje. Afinal é a menos pecaminosa das três – e de todas as frutas existentes na face da Terra, justiça seja feita. Logo lembrei das aulas de catequese, dos preparatórios para a Primeira Comunhão e fez-se a luz.
Imagine a situação: professorinha casta dos anos 70, educada na moral da Igreja e dos bons costumes, já então uma jovem mamãe dedicada e esposa fidelíssima, ensinando aos seus inocentes pupilos – todos na faixa etária de oito, nove aninhos, sequer sonhavam com a revolução dos costumes deflagrada no mundo – que o fruto proibido crescia como um cacho de... pênis; ou que só uma fruta com destino no álcool poderia ter tentado o primeiro casal a desobedecer a Deus. Seria simplesmente um escândalo.
Assim, a maçã era a única fruta que podia chegar aos nossos ouvidos puros como um deslize do pobre Adão suscetível às investidas da destrambelhada Eva. Pois ao mesmo tempo em que nos ameaçavam com a intriga da cobra safada a se enroscar nas macieiras, nos ensinavam que foi o beijo de amor do Príncipe Encantado que tirou da boca da Branca de Neve o pedacinho de maçã envenenada pela Rainha invejosa; que a maçã do amor é partilhada por casais apaixonados (o que desafia toda e qualquer lógica do paladar, mas na época nem sabíamos da existência de paladar); que raspando de colherinha, você alimenta com a polpa o seu adorado bebê; que na colheita dos pomares da Bretanha existe a figura da mãe das maçãs, o símbolo da fertilidade e da boa sorte; que An apple a day keeps a doctor away; que as tortas de maçã são uma parte considerável da felicidade doméstica dos norte-americanos e as sobremesas mais apreciadas nos bistrôs (o segundo lar dos franceses); etc, etc, etc.
Mas depois daqueles cabeludos da paz e do amor terem feito tudo o que fizeram, era de se esperar que a maçã ficasse desacreditada nessa dualidade do bem e do mal. Pois nem deu tempo: os hábitos de vida mudaram tão vertiginosamente que ninguém mais sequer pensa no assunto. Entretanto, se algum dia voltarem a falar em fruto proibido, garanto que nem a banana e a uva serão lembradas, pois haverá franco consenso em torno da manga. Essa, sim, chega a ser indecente. Quer experimentar?
Descasque uma manga e sinta a delícia do tato com a sua carne firme, macia e morna, a textura lúbrica, o perfume doce e a cor dourada como o sol. Na primeira dentada você já começa a se lambuzar, os lábios, as bochechas e, daí pra frente, é um morde, chupa e lambe de proporções incontroláveis. No final, você está com as mãos, os pulsos, a boca e todo o rosto completamente molhados daquele suco viscoso. E saciada ao gosto do capeta. Logo, logo vem a sensação de culpa, porque no afã de devorá-la, as fibras se grudaram nos seus 32 dentes, sem exceção. Coisa de paixão avassaladora: o céu e o inferno em minutos.
Portanto, pra pecar nem é preciso desacatar a Deus, basta ir à cozinha. Ou melhor, agora que nenhum de nós é mais criança, coloque em prática o slogan de um verdureiro citado pela escritora inglesa Jane Grigson: “Partilhe a manga, no banho, com seu amado”. E a culpa que vá para o diabo que a carregue, com todo o respeito.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Descaminhos

Um manto sinistro disfarçado de noite descia sobre as raras pessoas nas ruas. Marina ainda estava a muitas quadras da pensão, um desses belos casarões do século XIX, e o Toque de Recolher alarmou nela apenas uma dor aguda muito particular. Continuou andando, lenta e inocentemente desafiadora sob o escudo invisível da juventude. Bateu à porta de duas folhas com vidros decorados do armazém de esquina e acenou para o velho que, ao levantar o olhar do balcão, contorceu uma expressão nada receptiva. Mas deixou-a entrar e, sem delongas, embrulhou com mãos trêmulas as empanadas, recomendando, grave, que acelerasse o passo direto à pensão.
O dia derramara um sol luxuoso em mais uma sombria primavera chilena e Marina flanara pelos arredores da Plaza de Armas. Visitara a Catedral Metropolitana e o prédio do Correio, aproveitando a caminhada para digerir o almoço no Mercado Central de Santiago. Desde Rio Grande ansiava ver de perto o picoroco. Estudara-o no curso de Oceanologia e se tinha ao menos um objetivo concreto naquela viagem, era ver o bicho esquisito ao vivo e, mais ainda, comer o crustáceo, ou o molusco, que o decidissem os biólogos. Carlos não acreditaria. Seria o seu trunfo especial na volta: mostrar a ele que se superava nos nojinhos e nas desilusões do amor.
Marina vivia um momento pós-descoberta da voz. Desde que o vidro da sua redoma tão bem arquitetada pelo pai se quebrara, quase sem que um dos dois percebesse, tivera aquele encontro inusitado com a sua geração fazendo sexo e política, apaixonadamente. Se aquilo era permitido ou não, pouco lhe intrigou e ela logo também se encorajou a clamar por ideais, que soaram mais como desabafos. E foi assim que, aos 18 anos, saltara com os olhos vendados para a vida, para o encanto do amor e a força do sexo, uma liberdade que jamais cogitara.
Agora, com a cabeça no travesseiro do país de Pinochet, o peito ardia era de saudade e melancolia. A procura de uma tábua de salvação, ela evocou o sabor da sopa de mariscos do mercado e a conversa com o trabalhador boliviano ilegal em Viña Del Mar. Simpatizara com o dente de ouro reluzindo no sorriso tímido e tentava visualizar o metal na dentadura perfeita de Carlos. Mas era impossível. Concentrou o pensamento no encontro marcado, justificando-se de que, afinal, o balneário estava no seu roteiro desde o planejamento da viagem.
Juan Carlos a buscou na rodoviária. Foram almoçar num boteco suspeito com vista estonteante do Pacífico. Gastaram as solas dos tênis pela cidade e até o porto de Valparaíso. Entendiam-se com tanta facilidade, uma amizade tão espontânea que parecia antiga, como se tivessem passado juntos a infância ou dividido o companheirismo de uma guerrilha utópica. Entre bobagens e risadas, a tarde evaporara. Foi quando Marina decidiu enclausurar Carlos num cantinho da sua mente e pernoitar ali.
O porteiro do hotelzinho olhou com estranheza o casal: ela, uma moça bonita de cabelos bem cuidados; ele, um rapaz mal-ajambrado. Conduziu-os a um quarto minúsculo que não recebia sol. Livraram os pés dos tênis e das meias e se deitaram à luz amarelada de um velho abajur. Quietos, sem se olhar, ele desabotoou a blusa dela e acariciou a pele macia das suas costas. Afastou o pano delicadamente e levou a boca ao seu seio e o sugou, metódico como um bebê. Ela virou estátua, a meio caminho entre prazer e sofrimento. Ele, percebendo suas lágrimas, adormeceu.
Ao raiar do dia, seguiram para a rodoviária em silêncio. Antes que Marina se afastasse para o embarque, o boliviano segurou no seu pulso e disse: “Si fueses mía, no te dejaria andar sola por ahí”. Marina o fitou com o olhar perdido dos que recém conheceram o amor e seus descaminhos. Sequer conseguiu esboçar um sorriso. Deu um passo na sua direção e encostou a sua face na dele, apertando-lhe suavemente o braço. E logo seguiu pela plataforma, tateando um regresso ao seu pequeno mundo desmoronado. Acomodou-se na poltrona no fundo do ônibus e, com os olhos boiando, pensou: a vida seria linda se, do outro lado da Cordilheira, Carlos ao menos uma vez deixasse Mercedes Sosa e cantasse aquela música que ela sonhava na voz dele: “Não quero mais esse negócio de você longe de mim”.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Mísseis sobre a mesa de jantar

Há um véu que me encobre a mente, se gruda à pele e feito gelo fluido me penetra até as entranhas. Agarro-me a Hipnos, o amigo destes meses de fuga, que mimo com tranqüilizantes, chá de camomila e aspirinas. Ele me busca dentro do pacote de plumas de ganso, que divido com oito patas e dois rabos pretos enroscados na cama larga e sólida. Às vezes, nos leva por 12, 14 horas – meus movimentos tão leves que nem os bigodes felinos acusam.
O silêncio absoluto como o de um existir que se quer apagar, partido apenas por breves minutos, muito cedo, no andar de baixo, com gestos enérgicos de abrir janelas e portas na glacial cozinha. É um instante de conforto sonhado, todas as noites, lá dentro dos pesadelos em profusão. O som da mulher, que, dia a dia, cuida para que eu não mingue como a chama de uma vela no último centímetro.
Desperto a cada novo dia com as mesmas lembranças das fotos e boletins das agências de notícias nas redações. Munição farta para bombardearmos o leitor equilibrista entre os dissabores do dia-a-dia e a tragédia humana: “Bad news? Good new!”, a lei dos publishers. Desço do quarto e, muitas vezes, mal toco a mesa do café da manhã sempre posta: o bolo de fubá bem fofo, o pão caseiro, o queijo da colônia, as maçãs do pomar... Os gatos, sim, se regozijam com a ração.
As cinzas na lareira foram recolhidas, as achas de lenha novamente arranjadas em triângulo, gravetos e jornal retorcido na base – basta riscar o fósforo. Os nós de pinho nas paredes laterais para secar quando o fogo recomeça. O tapete de lã de carneiro irradia aconchego e o calor da calefação. Mas o frio se esgueira pelas frestas na alma.
Imagens se acotovelam, disputando o pódio dos horrores entre apartheid, refugiados no Afeganistão; reféns das Farc e mais, muito mais, sempre mais. Será outro dia curto interminável. O computador aberto, a tela em branco esperando as palavras que preciso encontrar. Mas sempre esse frio de tocaia. Matamos o tempo real onde poderíamos existir – o que um dia mediu o período de uma gestação, do plantio e da colheita, do crescer do pão e do fermentar do vinho, da transmutação da lagarta em borboleta. Agora, fingimos que não é preciso mais esperar o fruto amadurecer, quanto menos a flor desabrochar. Arrancamos todos os brotinhos na primavera. Jogamos as sementes no gelo.
Acaricio a caneca fumegante de café forte e cheiroso, acomodada bem juntinho ao fogo dançando na lareira. Meu olhar se perde através da janela e sua cortina de fog a esmaecer o pinheiro alemão.
Na cozinha já aquecida, em cima do fogão a lenha repousa a sopa de legumes – curtem os sabores da batata, cenoura, cebola, nabo e espinafre da horta que brota viçosa pelas mãos de Inês. Como ter essas mãos? Mãos que não desprezam, não torturam. Mãos que geram vida. Mãos de mãe que nunca fui. Mãos de Deus que teimo em acreditar.
Ligo a televisão e a CNN noticia a prisão do criminoso de guerra servo-bósnio Radovan Karadzic. Respiro em suspenso, os massacres de Srebrenica e de Saravejo frescas como ontem na memória. As lágrimas secaram em algum lugar deste passado e me entrego às labaredas queimando furiosas. Levanto e vou até o computador e escrevo: “Segunda-feira, 21 de julho de 2008. Hoje a Grande Sérvia planejada por facínoras do porte de Karadzic se esfacelou”. E as palavras fogem com a ventania no meu peito em eterno inverno.
Mas nessa noite não tomarei o tranqüilizante. E a lua não aparecerá envergonhada por trás das nuvens. O céu estará limpo e me sentarei no telhado, com o Quixote e o Sancho Pança dos olhos azuis no meu colo, para vê-la sorrir com sua cara de bolacha Maria. Amanhã sairei da toca e comungarei com a liberdade dos tucanos, gaviõezinhos, veados, macaquinhos e esquilos que disputam tão somente a beleza da mata virgem das montanhas. Seguirei pelo caminho de campanários e imagens sacras como uma Santiago de Compostela, até a capelinha de basalto no alto do morro. Preciso rezar a promessa de vencer este frio covarde para ir atrás da sucata dos mísseis usada como vaso de flores sobre a mesa de jantar: história de dor e resistência de quem sobrevive na certeza de que não viemos ao mundo para matar.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ideias que matam

POR CLÁUDIO MORENO

Ao receber o Nobel de LiterAtura de 1957, Albert Camus proferiu uma frase que gerou muita polêmica tanto na França quanto na Argélia, que lutava então por sua independência: “Acredito na justiça, mas antes e acima dela eu defenderia minha mãe”. Camus, um notório apoiador do direito argelino à autodeterminação, marcava com estas palavras uma mudança definitiva em sua atitude quanto ao conflito: continuava a condenar a fúria repressiva do exército francês, mas passava a denunciar também a violência indiscriminada dos nacionalistas árabes. O público estranhou a frase, mas os extremistas de ambos os lados a detestaram – e com razão, porque ela os acusava.
Trezentos anos antes de Cristo, na cidade de Corinto, o famoso Timóleon já tinha aprendido, de forma muito mais amarga, a mesmíssima lição. Quando jovem, o futuro estadista era diferente em quase tudo de Timófanes, seu irmão mais velho, mas submetia-se de bom grado a seu comando. Numa batalha contra as forças de Argos, Timófanes teve o cavalo abatido bem no meio das linhas inimigas, e Timóleon, ao ver o irmão desacordado no solo, tratou de protegê-lo com seu próprio corpo, aparando no escudo e na couraça os golpes que lhe eram destinados. Embora ferido, conseguiu resistir o tempo suficiente para que seus soldados viessem socorrê-los.
Vencida a batalha, Timófanes, para a decepção de todos os coríntios, que amavam a democracia, aproveitou o entusiasmo da tropa e proclamou-se ditador. Timóleon ainda tentou demovê-lo daquele sonho doentio, mas foi inútil. Envergonhado, sentindo-se responsável pelo acontecido, resolveu tomar uma atitude drástica: acompanhado de dois amigos, voltou a procurar o irmão e insistiu para que voltasse atrás. Vendo, porém, que era tudo em vão, ele e os companheiros puxaram as espadas e mataram ali mesmo o tirano usurpador. Muitos foram os que elogiaram a grandeza daquele cidadão que considerava os laços com a pátria mais fortes que os laços de sangue; outros, no entanto, ficaram chocados com a frieza do gesto, e o próprio Timóleon, sentindo que tinha cometido um ato ímpio e abominável, mergulhou em profunda melancolia. Quando ficou sabendo, então, que sua mãe, estarrecida, tinha amaldiçoado seu nome para sempre, retirou-se de Corinto e vagou por vinte anos pelos campos desertos, fugindo a qualquer contato com seus semelhantes.
Na solidão de seu remorso, Timóleo enfim compreendeu o seu erro: sonhando com uma sociedade melhor, tinha praticado um ato que o transformava num odioso assassino. Pois era disso que falava Camus: as ideias são muito importantes, e podemos discuti-las, noite após noite, depois do jantar – mas nenhuma delas merece que se mate alguém em seu nome. O que conta, mesmo, são as pessoas próximas a nós, esta pequena parcela da humanidade concreta com que partilhamos nossa vida.
(Coluna publicada no jornal Zero Hora, em 22 de setembro de 2009)