sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fruto proibido

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, para muita gente, a banana é a fruta proibida do Paraíso. Fui atrás, claro, curiosa em desvendar a origem dessa história e encontrei informação de que também a uva tem seus defensores – ou seriam acusadores? Os argumentos em torno das duas frutas são convincentes e bem mundanos, digamos assim, e me intrigou a maçã se manter no tradicional posto até hoje. Afinal é a menos pecaminosa das três – e de todas as frutas existentes na face da Terra, justiça seja feita. Logo lembrei das aulas de catequese, dos preparatórios para a Primeira Comunhão e fez-se a luz.
Imagine a situação: professorinha casta dos anos 70, educada na moral da Igreja e dos bons costumes, já então uma jovem mamãe dedicada e esposa fidelíssima, ensinando aos seus inocentes pupilos – todos na faixa etária de oito, nove aninhos, sequer sonhavam com a revolução dos costumes deflagrada no mundo – que o fruto proibido crescia como um cacho de... pênis; ou que só uma fruta com destino no álcool poderia ter tentado o primeiro casal a desobedecer a Deus. Seria simplesmente um escândalo.
Assim, a maçã era a única fruta que podia chegar aos nossos ouvidos puros como um deslize do pobre Adão suscetível às investidas da destrambelhada Eva. Pois ao mesmo tempo em que nos ameaçavam com a intriga da cobra safada a se enroscar nas macieiras, nos ensinavam que foi o beijo de amor do Príncipe Encantado que tirou da boca da Branca de Neve o pedacinho de maçã envenenada pela Rainha invejosa; que a maçã do amor é partilhada por casais apaixonados (o que desafia toda e qualquer lógica do paladar, mas na época nem sabíamos da existência de paladar); que raspando de colherinha, você alimenta com a polpa o seu adorado bebê; que na colheita dos pomares da Bretanha existe a figura da mãe das maçãs, o símbolo da fertilidade e da boa sorte; que An apple a day keeps a doctor away; que as tortas de maçã são uma parte considerável da felicidade doméstica dos norte-americanos e as sobremesas mais apreciadas nos bistrôs (o segundo lar dos franceses); etc, etc, etc.
Mas depois daqueles cabeludos da paz e do amor terem feito tudo o que fizeram, era de se esperar que a maçã ficasse desacreditada nessa dualidade do bem e do mal. Pois nem deu tempo: os hábitos de vida mudaram tão vertiginosamente que ninguém mais sequer pensa no assunto. Entretanto, se algum dia voltarem a falar em fruto proibido, garanto que nem a banana e a uva serão lembradas, pois haverá franco consenso em torno da manga. Essa, sim, chega a ser indecente. Quer experimentar?
Descasque uma manga e sinta a delícia do tato com a sua carne firme, macia e morna, a textura lúbrica, o perfume doce e a cor dourada como o sol. Na primeira dentada você já começa a se lambuzar, os lábios, as bochechas e, daí pra frente, é um morde, chupa e lambe de proporções incontroláveis. No final, você está com as mãos, os pulsos, a boca e todo o rosto completamente molhados daquele suco viscoso. E saciada ao gosto do capeta. Logo, logo vem a sensação de culpa, porque no afã de devorá-la, as fibras se grudaram nos seus 32 dentes, sem exceção. Coisa de paixão avassaladora: o céu e o inferno em minutos.
Portanto, pra pecar nem é preciso desacatar a Deus, basta ir à cozinha. Ou melhor, agora que nenhum de nós é mais criança, coloque em prática o slogan de um verdureiro citado pela escritora inglesa Jane Grigson: “Partilhe a manga, no banho, com seu amado”. E a culpa que vá para o diabo que a carregue, com todo o respeito.